20.2.03

23

Foram para um hotel em Go-land.
Uma brisa artificial flutuava etereamente o cabelo de todo mundo, hesitando intensidade e rumo para maior efeito.
Não ficaram no distrito noturno, é claro. Ficaram na parte destinada a negócios, aguardando suas instruções. Porque ali não havia equipes geológicas a supervisionar. Claro, havia a divisa extra pingando em suas contas diariamente pelo fato de estarem deslocados de sua função primária, mas logo Michæl começou a desconfiar daquela súbita remoção. Fuçando aqui e ali, levantou a lebre: suspeitava-se da contaminação da intranet da Torrid pelo terrorista, o tal do Liquidator. Todas as equipes do leste tinham sido removidas e espalhadas. As não contaminadas, naturalmente.
- Quanto ao resto, deve estar todo mundo na salinha branca com o Kaapor. - disse Michæl, fazendo referência à lenda urbana mais popular sobre a Torrid.
- Isso não existe - disse Ina.
Michæl: Diz isso porque já foi formatada desde pequena.
Isabel: Ser criado por uma empresa significa que ela é sua família. Eu não falo contra minha família.
Michæl: Olha aí, já está repetindo slogans.
Ina: E contra ex-trabalhadoras da indústria do sexo, você também tem preconceito?
Michæl: Ina, não se mete. O que estou dizendo é que a Torrid só adotou órfãos de guerra por atacado pra descontar do imposto. Já é um motivo nada altruísta. Quem sabe o que não fizeram com as cabeças de vocês? Lavagem cerebral, hipnopedia, repetição de slogans, psicologia de seita...
Isabel: Um pouco de tudo. E comida, e roupa, e educação também. Até boas maneiras, coisa em que sinto forte deficiência de sua parte.
Ina (batendo palminhas): Uuuh!
Isabel: Sabe qual é o seu problema? Despeito. Não passou no teste da Torrid e te jogaram fora...
Michæl perde a fala por um momento. Fica olhando para Isabel, que lhe devolve um olhar duro e frio.
Michæl: Você está falando do teste de inteligência para avaliar as criancinhas mais dignas de ser salvas? E que quem não passasse nele era descartado? Jogado de volta na rua? Isso, sim, prova que a Torrid presta! E, sim, você deve ser muito especial: foi selecionada. Eu não, vai ver que eu não era uma criança muito proativa... ou então não demonstrava muita capacidade de esmagar os outros.
Ina olha para Isabel, que por sua vez olha para ele sem remorso algum. Ina fica com pena e toca no braço de Michæl, que se afasta com um repelão e sai da sala convivial.

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